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A mostrar mensagens de maio, 2025

Aljube da alma - vaidade. Tudo é vaidade

 Ao chegar ao estacionamento do mercado, com a mente a recitar, quase em transe, a lista de compras que me parecia tão cheia de promessas efémeras, deparo-me com uma vaga, aquela que, em minha convicção, seria destinada ao meu modesto veículo. Num impulso que mais parecia o sussurro apressado do destino, dirigi o carro para assinalar a entrada e, num instante em que o tempo se diluía, um outro veículo, regido por uma ânsia exaltada, despontou à frente e apropriou-se do espaço que me parecia ter sido reservado ao meu ser. Foi então, num repentino tumulto de sentimentos – uma mescla indizível de ira, de ódio e de indignação – que me vi imerso na ilusão de um direito perdido, lutando (ainda que sem saber que a verdadeira batalha é interna) pelo que me parecia ser a primazia de ter chegado primeiro, usando os modestos recursos do automóvel como prolongamento de uma vontade de existir nos meus próprios termos, por aqueles metros quadrados que, de forma insólita, se transformavam no palc...

Horas douradas

  Naquela sexta-feira, Lisboa vestia-se com as cores suaves de uma primavera que começava a se instalar, como quem chega de mansinho, sem urgências, apenas deixando rastros de calor no vento e nos gestos. O relógio, indiferente às ânsias humanas, avançava, conduzindo o dia ao fim do expediente, mas para nós, o verdadeiro começo se desenhava nas horas que se estendiam diante da cidade. O sol iluminava os telhados com um fulgor dourado, e havia no ar a promessa de um momento onde o tempo deixaria de ser tirano para tornar-se cúmplice. E quando ela surgiu, no horário combinado, foi como se Lisboa, com todas as suas vielas e segredos, se curvasse à sua presença. Havia nela uma luz própria, um fulgor que não era apenas dos cabelos dourados que brincavam com a brisa, nem do vestido que lhe adornava o corpo com elegância discreta, mas algo mais profundo, um brilho que emanava de dentro, do espírito que se encontrava em harmonia com a noite que despontava. Seu sorriso trazia uma alegria se...

Chegança

  Ao fim do dia, ele atravessa as ruas com o peso das horas acumuladas nos ombros, os cálculos e as cifras ainda ecoando na mente, o trânsito desenhando um labirinto onde cada rosto é um reflexo da urgência de chegar. O sol, resistente na sua despedida, espalha uma luz dourada sobre os prédios, como se quisesse testemunhar os últimos passos de quem busca o regresso. A porta se abre, e ali está ela, não uma figura qualquer, mas a própria essência de casa, um santuário erguido na carne e no olhar. Alta, esguia, dona de um corpo que parece talhado pelo próprio tempo para ser refúgio e desejo, os cabelos loiros fluindo como ondas que capturam e libertam, o brilho deles refletindo a última luz do dia, quase sobrenatural. O rosto carrega o mistério e a promessa, o sorriso não apenas desenhado, mas entregue, feito chave que destranca qualquer vestígio de cansaço. Os olhos, astutos e brilhantes, são como mapas onde se perdem e se encontram todos os caminhos, onde o mundo inteiro parece con...